Palestra proferida pelo historiador Tarcísio José Martins, perante o Rotary Club da Mooca, São Paulo-SP, em 14.04.2015, sob o título de "Uma visão atualizada sobre a Inconfidência Mineira (precedente histórico da delação premiada?)"

A História do Mártir da Inconfidência é por demais conhecida, assim, trazemos nesta palestra apenas uma visão atualizada desse episódio e algumas contradições turístico-culturais de Ouro Preto, bem como, uma resposta àqueles correligionários do francês que se intitula “dom” Bertrand de Orleans e Bragança, e a ele mesmo, que, em artigos publicados na Internet, em seus devaneios monárquico-proselitistas, têm assacado contra figura de Tiradentes muitas mentiras, injúrias e difamações em ofensa a todo o Povo Brasileiro.

Portugal descobriu o Brasil numa época em que o negócio das índias estava muito bom. Assim, o Brasil ficou descoberto e praticamente abandonado. Tanto que quando da descoberta das Minas Gerais (1674-1695) não só os paulistas, mas o Brasil todo, falava a língua geral – um misto de tupi, guarani, espanhol e português. Somente em 1759, o marquês de Pombal proibiu o uso e o ensino da língua geral e impôs a língua portuguesa aos brasileiros.

A História prova que Portugal nunca quis colonizar o Brasil e sim explorar o Brasil, ou seja, tirar daqui o máximo de lucro sem nada investir.
À época de Tiradentes, vigoravam os seguintes impostos:
Direito de Passagem, cobrado sobre pessoas e gados na entrada para a região mineradora, geralmente na travessia de rios.
Direito de Entrada cobrado nos registros e contagens sobre gados e mercadorias, chamadas então de fazendas secas ou molhadas, com taxação por tipo de mercadoria.
Dízimo, correspondente a 10% de tudo que fosse produzido, inclusive sobre as roças, gado, etc. que, o rei, por ser o grão-mestre da Ordem de Cristo, mandava cobrar para, assim, pagar os ordenados dos vigários, chamados côngruas. Na verdade, o rei se apropriava indebitamente de quase tudo, fazendo com que os padres que não eram vigários, para não morrerem de fome, tivessem que cobrar dos fiéis as chamadas conhecenças – pelas confissões, comunhões, missas, batizados, crismas, etc. É por isso que os católicos, até hoje, não são tão afeitos como os protestantes ao mesmo dízimo.
Subsídio voluntário, inicialmente, era contribuição fixada para fazer face aos casamentos de príncipes reais; a partir de 1755, após o grande terremoto, passou a ser também uma contribuição obrigatória para se fazer a reconstrução de Lisboa e, depois, para continuar a engordar os Bragança.
Subsídio literário, foi criado em 1772 para custear o ensino que, desde 1759, excluíra o ensino da língua geral e obrigava o ensino da ainda pouco conhecida língua portuguesa.
O rei de Portugal queria ganhar tudo sem gastar nada. Assim, as cobranças de todos esses tributos eram arrematadas, ou seja, eram terceirizadas. Magnatas portugueses compravam o direito de cobrar esses impostos que exploravam através dos chamados dizimeiros que extorquiam e roubavam o povo com toda violência, pois tinham poder de polícia e até judicial.
O rei punha em arrematação também os estancos, ou seja, o direito de um português monopolizar a venda de certas mercadorias, a exemplo da carne, fumo, cachaça, pólvora, etc., obrigando os mineiros a pagarem o preço que eles quisessem cobrar.
Alguns empregos e cargos e suas respectivas funções de escrivão eram também colocados em arrematação, ou dados em benesse a portugueses, que recebiam por esses trabalhos um estipêndio, também chamado de propina. Houve tanto abuso aqui no Brasil que, hoje, propina é sinônimo de peita, de suborno, corrupção.
O imposto sobre a extração de ouro foi o único que não foi privatizado.
Primeiramente, se tentou por bateias, mas se iniciou "por oferecimento do povo" e rateio, em forma de Capitação. A partir de 1735 os quintos foram convertidos no Imposto da Capitação onde: o senhor pagaria cerca de 2 oitavas e meia semestrais, por escravo possuído; os pretos forros que trabalhassem com as próprias mãos também tinham que pagar; mesmo os brancos pobres que trabalhassem com as próprias mãos, também tinham que pagar esse imposto. Os ofícios, as vendas e as lojas pagariam em razão de seu tamanho, de seu porte.
O imposto da Capitação foi a causa direta do fortalecimento da Confederação Quilombola do Campo Grande e do maior genocídio setecentista da América do Sul. O Quilombo do Campo Grande foi três vezes maior que o de Palmares em número de quilombos confederados.
O imposto da Capitação foi extinto em 1750 pelo Marquês de Pombal, sob a alegação de que ou se acabava com esse imposto, ou Portugal perderia não apenas as Minas Gerais, mas toda a colônia
Em 1751 foi implantada a cobrança dos quintos por Casa de Fundição, culminado por derrama, somente para as Minas Gerais.

         http://ultradownloads.com.br/papel-de-parede/Pesando-o-ouro/         barras de ouro quintado – museu da Inconfidência

Ou seja, para se retirar o ouro das Minas Gerais, o magnata ou o comerciante deveriam levá-lo a fundir, onde já se descontariam os 20% do rei e se entregariam as barras tributadas e marcadas com os sinais da Fundição Real. A nível interno das Minas Gerais, os mineiros pouco ou nada perdiam, porque o ouro em pó era cotado em 1:200 réis e, o ouro quintado, a 1:500 réis a oitava.
Porém, fora das Minas também o ouro em pó valia 1:500 réis a oitava. Assim, quem o levasse para fora sem quintar, lucraria esse ágio.
Os grandes magnatas das Minas Gerais, arrematadores de cobrança de impostos, de estancos e de cargos públicos, como se percebe, eram uma espécie de quase-sócios do Estado. Eram eles, também os banqueiros e fornecedores atacadistas de todas as mercadorias vendidas aos pequenos comerciantes. Pode-se dizer que em muitos casos, pagavam impostos a si próprios.
Por isto, o Sistema de Quintos estabeleceu a obrigatoriedade de se atingir anualmente 100 arrobas de ouro quintado, sob pena de que, não se atingindo esse teto, esses quase-sócios do rei, chamados homens bons, teriam que ratear entre si e pagar ao Estado a quantia faltante para inteirar as 100 arrobas anuais. Nada seria cobrado do povo pobre, pois a lei estabelecia que a cobrança da Derrama seria feita à proporção dos bens que cada um possuísse, aplicando-se uma verdadeira regra de três com base no valor da dívida, pareado ao valor dos bens existentes em cada comarca e, dentro delas, em cada Vila e, por consequência, na posse de cada homem bom. A Derrama, portanto, não era um imposto e sim um instrumento coator para que os homens bons zelassem pela cobrança dos quintos e não permitissem que o ouro saísse das Minas Gerais sem pagar os quintos reais.
Os magnatas, porém, vendiam escravos e outras mercadorias, cobravam impostos, extorquiam o povo e mandavam o ouro em pó todo para fora; nada recolhiam ao rei, nem mesmo as prestações de seus contratos.

No ano de 1763 faltaram 13 arrobas para completar o teto de 100. Em abril de 1764, o governador Luiz Diogo lançou a 1ª e única derrama, onde o déficit foi coberto pelos homens bons e, principalmente, pelos padres das 4 comarcas mineiras. A partir de então, nunca mais foram atingidas as 100 arrobas anuais. Porém, os homens bons - os quase-sócios do Estado - sempre agiram politicamente e foram empurrando com a barriga e evitando que as derramas fossem efetivadas para pagamento daquilo que deviam.
Quando dessa primeira e única derrama de 1764, o jovem Joaquim José da Silva Xavier, nascido no Sítio do Pombal (hoje cidade de Ritápolis-MG), filho de pai português e de mãe paulista, tinha 15 anos de idade e já era órfão de mãe e de pai.

Fora alfabetizado por um padre e já aprendia o ofício de cirurgião e dentista com o seu padrinho, Sebastião Ferreira Leitão.

Ainda adolescente, iniciou-se na profissão de tropeiro, alargando seus horizontes, ampliando seu vocabulário, apurando seus ouvidos e auscultando as almas sofridas dos brasileiros brancos, mamelucos e negros, dos quais sentia em seu próprio peito - a cada dor que ouvia - todas as espadas, todas as catanas, todas facas e todos os punhais que a vampiresca dinastia de Bragança e seus asseclas cravavam no coração de cada brasileiro.
Lembremo-nos de que o Brasil, assim como Portugal, perdera a partir de 1580 os seus reis da Casa de Avis. Em 1640, Deus quis dar ao Brasil um flagelo chamado dinastia de Bragança, senhores exclusivos de todas as oligofrenias, que hoje a ciência explica. Penso que é dessa dinastia que vêm - e nunca de nossos ancestrais portugueses - os burríssimos personagens de nossas famosas piadas de português.
Tiradentes viu que precisava trabalhar. Trabalhar para todos. Assentou praça na tropa de Dragões, onde a farda de alferes costurou-se a seu corpo, como se fora, ele, um moldado super-herói, em dívida com todos os brasileiros, mormente com os pobres, com os índios e com os pretos.
Deu no que deu. Bebeu tanto os ares de seus caminhos que acabou ficando completa e incuravelmente bêbado. Bêbado de liberdade. Bêbado de pátria. Bêbado de igualdade, de liberdade e de fraternidade. Começou a correr como um corta-vento pelas Minas e pelo Rio de Janeiro, trazendo nas mãos uma versão francesa da Constituição Norte Americana. Pregava com palavras tão fortes e tão sinceras, que se transformou naquilo que falava: Virou, ele próprio, o Sr. República. O Sr. Liberdade.

Desde o início do governo de Maria Iª, os interesses ingleses voltaram a comandar, mais do que nunca, a Colônia Brasileira.
Em 1785, para favorecer o comércio da Inglaterra, a rainha Louca proibiu que se fabricasse qualquer coisa no Brasil, permitindo-se apenas os tecidos grosseiros para roupas de escravos.

Os magnatas portugueses – aqueles, os chamados quase-sócios do Estado! - cujo plano inicial talvez fosse apenas arrancar o máximo de ouro que pudessem e voltar ricos para Portugal, de repente se viram totalmente endividados e presos à maldita Derrama que só era aplicável aos homens bons das Minas Gerais. A maioria devia ao rei e aos agiotas portugueses, pelo menos o dobro de seu patrimônio; muitos chegavam a dever 8 a 10 vezes o seu patrimônio.
Os ministros da rainha mandaram dizer que acabara a politicagem. Não haveria mais desculpas. A Derrama, agora, sem falta, devia ser cobrada.
De uma hora para outra, o Corta-Vento, o Louco Alferes ganhou muitos sócios. Todos os homens magnatas das Minas se interessaram pelas pregações de liberdade e de república.

Nem todos, porém, estavam sendo sinceros.
Em seu preguiçoso modus operandi, os Bragança estatuíram deste os primórdios das Minas, em matéria de fisco, vários tipos de delação recompensada, como por exemplo: todo aquele que denunciar descaminho ou sonegação dos quintos reais, receberá metade dos bens confiscados do denunciado, assim também o perdão de todos os seus crimes e, sendo escravo, receberá a liberdade.
Na Demarcação Diamantina se estabeleceu desde 1773 o anonimato dessa delação, gerando dela um título de crédito que portador poderia negociar e repassá-lo a terceiros até mesmo antes do confisco dos bens do denunciado. Com essa invenção engenhosa, os Bragança conseguiam que o filho denunciasse o pai, o irmão, o amigo e até a mãe. Ah! Casa de Bragança! Quanta solidariedade vocês plantaram.
Em matéria de crimes lesa-majestade, os Bragança ofereciam mais: além de todos os prêmios da delação fiscal, o delator receberia também a nobreza de ser declarado cavalheiro da ordem de Cristo e uma tença, ou seja, uma aposentadoria, muita vez, podendo ser repassada aos herdeiros até a terceira ou quarta geração.


Assim, desde 1788, seguiram-se reuniões e mais reuniões desses magnatas com Tiradentes e demais inconfidentes. Estava tudo planejado. A hora em que o governador lançasse a Derrama fariam a Revolução, matariam o governador e tomariam o poder nas Minas Gerais. Depois arrastariam o Rio de Janeiro e São Paulo para esse sonho de liberdade republicana.
Houve uma enxurrada de delações e Tiradentes acabou preso no Rio de Janeiro, onde estava a pregar e a aliciar gente para a sua Revolução.

                                                    Prisão de Tiradentes, por Antônio Diogo da Silva Parreiras

Os principais delatores da Inconfidência Mineira foram os seguintes:
Tenente-coronel Basílio de Brito Malheiro do Lago; português, sonegador dos quintos do ouro e mercador de escravos. Morreu apavorado e sempre temendo ser assassinado pelo povo das Minas Gerais.
Tenente-coronel Domingos de Abreu Vieira; português, devedor da Coroa e rico contratador. Delatou por escrito, assim como os outros.
Dr. Domingos Vidal de Barbosa; um típico reinol, apesar de ter nascido nas Minas. Estudou medicina em Montpellier. Delatou por escrito e com firma reconhecida.
Fernando José Ribeiro, português oportunista que, sem saber de nada, denunciou um desafeto seu para receber os prêmios. Se deu mal.
Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes, mineiro; era casado com a irmã do Dr. Domingos Vidal de Barbosa. Chorava e reclamava na prisão o direito ao perdão e aos prêmios pela sua patriótica delação.
Tenente-coronel Francisco de Paula Freire de Andrade, carioca, sobrinho bastardo do genocida Gomes Freire de Andrade e casado com a irmã do Dr. Álvares Maciel. Também delatou por escrito.
Ignácio Correia Pamplona; português. Foi o maior mentiroso e fanfarrão que existiu até hoje nas Minas Gerais. Escapou da condenação mas morreu falido por ter distribuído quase tudo que tinha em suborno aos devassantes. Passou a dizer que fora um dos que desbarataram a Inconfidência.
Coronel Dr. José de Alvarenga, carioca. Choramingou até o fim por ser perdoado, alegando ter sido ele um delator.
Capitão Vicente Vieira da Motta, português. Era guarda-livros do contratador de Direitos de Entrada, João Rodrigues de Macedo. Agregou em sua denúncia a fanfarrice de dizer que tentara matar Tiradentes.
Capitão José de Rezende Costa e seu filho, português e mineiro, também muito choraram e delataram.
Coronel Joaquim Silvério dos Reis Montenegro, português - depois de Inácio Correia Pamplona - foi o mais escroto de todos os delatores.
É provável que todos os delatores, contratadores ou ligados direta ou indiretamente a estes – falidos e endividados – entraram nas confabulações da revolução já com o pensamento de, no momento oportuno, denunciar os colegas e se darem bem. Silvério dos Reis denunciou primeiro, recebeu todos os prêmios, nada sobrando para os demais traidores.
Todos esses covardes, ao ouvirem a sentença de morte choraram copiosamente. Depois, deram gritos alienados ao terem a pena capital comutada em degredo para vários locais na África.
De todos os envolvidos na Conjuração, os verdadeiros heróis, sem dúvida foram os brasileiros Tomaz Antônio Gonzaga que suportou tudo e não delatou ninguém; padre José da Silva de Oliveira Rolim, valente que resistiu a prisão e sempre teve de ser vigiado como um preso rebelde e destemido; Cônego Luiz Vieira, o mais perigoso de todos os inconfidentes, pois de suas palavras jorrava um patriotismo inebriante que a todos aliciava.
Joaquim José da Silva Xavier, Tiradentes. Seu único erro: ter escolhido os companheiros e os amigos errados para a revolução e para a vida. Como homem de seu tempo, teve visão bitolada pelas ideias da época; preferiu aliar-se aos poderosos que o utilizaram e o traíram.
O que disseram sobre o Herói:
O suicida Cláudio Manoel da Costa disse Tiradentes era “pessoa de fraco talento, que nunca serviria para se tentar com ele facção alguma (...)”.
Tomaz Antônio Gonzaga, após saber que Tiradentes assumira tudo, disse que “o Alferes era homem que podia fazer muito mal à gente pelo seu fanatismo”.
O Pe. Carlos Correia de Toledo e Mello confessou que “Tiradentes era o autor principal em tudo”.
O Pe. Rolim, fez-lhe justiça desbocada e valente: “O Alferes era um herói, que se lhe não dava morrer na ação, contanto que ela se fizesse!”.
O Alferes, em seus interrogatórios, a princípio negou a existência de um movimento; depois, admitiu que “tinha entrado em projetos de sublevação, mas as suas falas a este respeito eram sem malícia, nem sabia de sócios (...)”. Ao final, o GIGANTE resolveu assumir toda a responsabilidade.
Enquanto companheiros tremiam de medo e traíam em mais e mais delações, Xavier assumiu todos os seus atos e cravou sua espada-república bem no peito da Casa de Bragança, ali, sentenciada à extinção.

Ao mesmo tempo, procurou inocentar a todos os companheiros. Assim, teve, ao final, mantida sua pena de morte, “por ser o único que na forma da dita carta se fez indigno da piedade da mesma senhora”, a rainha louca.

Tudo isto prova que Tiradentes foi um brasileiro patriota e republicano. Luiz Gama quis imortalizá-lo quando, em carta de pai, orientou o filho: “Seja republicano (...); trabalha por ti e com esforço inquebrantável, para que este País em que nascemos, sem rei e sem escravos, um dia se chame Estados Unidos do Brasil”.

Levando em conta que no Museu da Inconfidência, em Ouro Preto, estão depositados os restos mortais de supostos inconfidentes, dos quais, não todos, mas a maioria é de oportunistas e delatores, esse museu - em honra a Tiradentes e demais heróis - deveria separar os Heróis dos delatores em distintos panteões.

Leia também o artigo "A Derrama e os Quintos"

São Paulo-SP, 14 de abril de 2013.

Tarcísio José Martins
Advogado e Historiador
IHGMG – Cad. 92 Teodoro Sampaio

Palestra proferida pelo historiador Tarcísio José Martins, perante o Rotary Club da Mooca, São Paulo-SP, em 14.04.2015.