O Reinado e suas Guardas do Rosário
A festa do Reinado do Rosário é o maior evento cristão-popular do centro-oeste de Minas Gerais e teve suas origens nos antigos reinos do Congo, Angola e Moçambique, remontando aos anos quinhentos quando foram readaptados e aceitos por esses países africanos. No Brasil, essa tradição tem registros desde os anos seiscentos, sendo levada para as Minas Gerais nos anos setecentos. Portanto, essa festa NÃO pode ser confundida com as Congadas Cívicas de 13 de maio, surgidas somente ao final do Século XIX.
Seus dançadores se dividem em cortes, também chamados de guardas de Nossa Senhora do Rosário. Estivemos no Reinado de Moema-MG, ocorrido entre 22 e 27 de julho do ano de 2003, quando entrevistamos vários capitães de seus cortes, cujos textos e imagens recuperamos e apresentamos abaixo.
Corte do Zimbo
Capitão: Orozimbo (Zimbo); Major: Geraldo.
É corte Moçambique mais antigo, cujo primeiro líder foi Orozimbo, pai dos atuais capitão e major.
Infelizmente, não conseguimos entrevistar o Sr. Orozimbo. Seu corte, por ser o mais antigo, é um dos mais solicitados para cerimônias de pagamento de promessas, geralmente em voltas ao redor da Igreja nova ou da velha. Consigne-se, porém, o respeito e carinho que todos os demais cortes têm por esse carismático Moçambique.
Cortes de Zé Geraldo e Expedito
Esses dois cortes Moçambique, nesse ano de 2003, se juntaram.
O capitão Geraldo, disse-nos chamar-se Geraldo Aparecido. “A tradição do Moçambique... sou capitão do Moçambique de Nossa Senhora do Rosário... estamos nessa luta desde os cinco anos de idade... meu avô foi moçambiqueiro velho... chamava-se Lucinho... o meu tio era moçambiqueiro também já muito velho... o tio Quintino... que sobrou para mim a geração dele... que passou para mim, né... hoje eu estou comandando graças a Deus, o Moçambique... e a minha avó foi rainha conga aqui, por muitos anos... foi Rainha Conga da Festa de Nossa Senhora do Rosário... o nome dela era Maria Teodora... então, Nossa Senhora do Rosário está abençoando a gente... mas dessa raiz está sobrando muito pouco... então, o pouco que a gente sabe a gente está aproveitando para estruturar... para não deixar acabar... uma coisa em que nós nascemos nela... então, a gente pede a Deus e a Nossa Senhora do Rosário para abençoar a gente, né... com humildade e simplicidade, né... com muita união, muita paz... que Deus nos abençoe e que a gente, enquanto estiver de pé, que Nossa Senhora do Rosário mantenha essa tradição... que nunca deixe acabar a cultura que a gente aprendeu... que foram gerações longas que vieram trazendo, sabe... e a gente quer pedir a Deus que deixe uma raiz, né... para os filhos... assim... de mim, já tem o meu filho, Tiãozinho... Sebastião... que já dança de capitão também... que eu quero passar para ele, se Deus quiser... no dia que a gente falecer... para que o meu nome, através dele, fique gravado e passe às gerações, assim como os de meus avós... Sou nascido em Moema... meu avô era o Lucinho... foi moçambiqueiro famoso, aqui na sua época... tinha ele... o tio Lúcio, o sô Orozimbo... Zé Lourenço... um corte todinho... uma tradição de negros... era tudo, mais ou menos... todos da família... Orozimbo, era o pai do Zimbo... antigamente esse corte nosso era junto... era um corte só... era o Sô Expedito, o Sô Orozimbo e o Sô Quintino... então, com o passar do tempo, a cidade cresceu... aí eles então se separaram... foram criados mais dois moçambiques... então, os moçambiques mais velhos que tinha aqui eram os do Sô Quintino e do Sô Orozimbo...”.
Disse ainda que, em seu grupo, “tem dezesseis para dezessete pessoas... mas, não são todos antigos, não... antigas mesmo só têm umas três pessoas mais velhas... já morreu muita gente, sabe... mas, os novos geralmente são filhos das pessoas mais velhas...”. Sobre sua indumentária e adereços, disse-nos que o dente que usava era um dente de anta... “é um símbolo das coisas da natureza... porque os antigos, os escravos, usavam... é uma recordação, uma lembrança... dos antepassados, né....”.
O Sr. Expedito, capitão do segundo corte, disse-nos chamar-se Expedito Ferreira da Silva e ainda: “Sobre a minha tradição... o senhor sabe que é dos negros mesmo, né... então, a gente vem pelejando para segurar essa tradição que o tempo nos deixou... e procurando fazer as coisas conforme elas devem ser feitas... a mocidade está vendo essas coisas (da festa) acontecendo agora... mas como é que nasceram... muitos não sabem, né. Então eu tenho... o exemplo... o livro da vida de São Benedito, que é o fundador... então, eu procuro trabalhar sempre seguindo esse regulamento... agora, de capitão, de comandante de corte... eu tenho o meu corte, a minha guarda... tem só dezenove anos que está no meu comando... mas eu danço desde menino... mas como comandante... tem dezenove anos. O nome da minha guarda é Moçambique de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito. Sou nascido em Igaratinga e moro aqui (em Moema-MG) há 51 anos. Tenho dançado em diversos lugares, graças a Deus... já fui até em Brasília... procurando fazer o melhor, para deixar uma boa recordação do que foi o tempo da escravidão para a turma de hoje, né... eles não estão sabendo como é que foi... muita gente sabe só que negro foi escravo... o negro não tinha leitura... não tinha nada... deixou este movimento, pela inteligência que Deus deu... mas, pela ajuda do fundador São Benedito... que não fundou para fazer bonito, não... pelo que está escrito, fundou para ajudar Jesus Cristo a evangelizar o povo daquele tempo... então, eu tive a graça que ele me confiou de ser capitão... vou procurar sempre seguir... eu sou bisneto de escravo... do lado do meu pai e do lado da minha mãe... então, eu tenho assim, mais ou menos, o sangue na veia... então o que eu posso fazer... eu gosto de dançar... e gosto, assim, pela fé também... não é só para mostrar boniteza... até o povo fala aqui... que a minha guarda é uma das menores que tem aqui... mas, graças a Deus, é uma das que mais sai também... eu me preocupo em manter uma boa disciplina... um bom respeito... e dançar pela fé e pela tradição”.
O Sr. Expedito disse ainda que seu pai se chamava Oliviê Ferreira da Silva, também de Igaratinga; “meu avô se chamava Jacinto Ferreira da Silva; meus avós... eles foram escravos de ventre livre... mais os pais deles e mães foram escravos mesmo... de sujeição... meus tios, minhas tias... foram também escravos de ventre livre... e contavam que viram muitas vezes, os pais e mães deles apanharem... então, minha geração, minha ascendência que é desse tempo... esteve bem perto, né...”.
Corte do Nicolau
Capitães: Santico e Ronam; trata-se do corte congo mais antigo, existente há cerca de 60 anos.
“Eu sou o Santico e o corte é no nome do Nicolau, o corte velho. Deve ter mais ou menos uns sessenta anos, esse corte. Porque os capitães velhos foram morrendo; os outros foram entrando... então só com o Tião Marieta eu dancei... ajudando... uns vinte e cinco anos... com o Tião... eu era da rabeira... então fui chegando para frente... aí passou para nós, então... eu ajudo o Ronam. E os dançadores, da turma velha, deve ter, mais ou menos... uns cinco só, né Ronam?
Eu, você, o sô Ilídio, o sô Marcos... dos velhos, né... Está tendo, agora, da turma velha... o Ladim, o Sô Ilias, Sô Mário, o Libério... da turma velha... aí, agora, os outros já são mais novatos... tem na faixa de umas 80 pessoas... é o mais velho de dança... o maior é o Zé Celino... que tem mais gente do que o nosso... que tem unas setenta... deve dar umas oitenta no domingo... vai chegando mais, né... porque algum estava trabalhando...”. Sobre a administração da festa e do padre atual, Santico disse que “Graças a Deus está boa... os presidentes todos são gente boa... lá vai tudo beleza...”. Só a organização poderia melhorar um pouco quando ao cumprimento de horário, disseram.
Corte do Zico Dionísio
Capitães: Zico Dionísio e Rafael. Corte congo composto de 52 pessoas.
Zico Dionísio disse-nos que “O corte vai bem, a turma está cooperando bem... o padre está muito satisfeito com o corte... porque o corte nosso já é bem de idade... já está com 52 anos que nós brincamos de capitão... de forma que aí nós... estamos satisfeitos... Graças a Deus... temos 52 componentes”. Disse ainda que as cores rosa e azul foram escolhidas pelos próprios dançadores.
Corte do Zé Véio
Capitão: Zé Véio. Major: Chico Caboclo. Corte Congo com cerca de 40 componentes.
Zé Veio informou-nos: “Meu nome é José Dionísio Couto, apelido Zé Véio. Que eu danço, tem 49 anos; mas quando eu comecei já tinha a guarda... essa guarda é antiga... o nome é corte de congada... contando tudo, tem 40 pessoas”. Zé Véio disse ainda que um de seus filhos faz parte do corte. Também disse estar satisfeito com a organização da festa... quanto ao dançador Otaviano José de Araújo, que nos auxiliou nos contatos e entrevistas, disse esperar que ele sare logo o pé e, no ano que vem, volte a dançar no Corte Congo do Zé Véio.
As Andorinhas
Capitães: José Darci e Eva. Corte congo composto só de dançadores mulheres.
Infelizmente não pudemos entrevistar os capitães desse belíssimo corte, cuja agilidade e criatividade coreográfica muito tem impressionado a todos os dançadores dos demais cortes.
Corte do Zé Celino
Capitães: José Juscelino, o Zé Celino; Pedro do Tião Preto e Tonho da Maria do Juca. Corte congo composto de cerca de 70 pessoas; possui um corte jovem independente.
Infelizmente, também não pudemos entrevistar seus capitães. A coreografia rápida e a bateria firme é marca registrada desse corte que tem muito bem preparada e mostrou nesse ano, a sua Jovem Guarda.
Sobre as Origens do Reinado do Rosário, sugerimos as seguintes leituras no MG QUILOMBO:
Irmandades, cortes, festas e manifestações afro-católicas
A Congada Cívica de 13 de Maio
Chico Rei, nem História e nem Lenda: é só uma Nota de Rodapé